Aproveitando a temática da discussão anterior, vamos pensar um pouco a idéia de segurança, esta moderna noção que temos de segurança não é tão moderna assim. Como sabemos, alguma espécie de regularidade, de seguridade, de confiança, sempre foi necessária para a formação da criatura humana como temos por preferência: o "homem moral", mais profundo, de maior densidade e um animal muito mais interessante que qualquer homem ou antropóide em "estado de natureza"(1) digamos assim.
Com este não pequeno empréstimo do pensamento de Nietzsche, podemos ter a compreensão que desde imemoráveis épocas foi necessário - e caro - ao animal homem produzir um tipo de homem "confiável e capaz de prometer"(2). Não tenho a ingênuidade necessária à uma simplificação tentadora e confortável, como seria o caso se aqui me propusesse a estabelecer uma relação direta, entre a noção de segurança do homem dos "momentos iniciais"(3) do processo de sociabilização com outros tipos de homem como o tipo de homem grego, do mediévo, moderno e contemporâneo.
Como que através de uma auto-imposição, minha formação me obriga a apontar tal particularidade e perigo. Contudo, cabe um aparte quanto a necessidade de regularidade, de certo adestramento e contrato entre as vontades, vontades estas, que só ai, garantidas pela regularidade - seja esta da ordem que for - podem estabelecer relações com alguma espécie, de tranquilidade, de segurança.
É inegável neste sentido a necessidade e utilidade de segurança para a vida humana nas suas mais variadas atividades e relações.
O que se transforma neste caso é a própria idéia do que consiste segurança, e dos limites desta para com a vida e homem.
Nossa moderna idéia de segurança tem uma grande participação da nocão de propriedade somada a perspectiva da "modernidade clássica"(4) da noção de controle da natureza e eleição de um tipo ideológico de homem supostamente melhor.
Nossos instrumentos teóricos prévios, os homens anteriores à idéia (ilusão) de possibilidade de controle da natureza e do homem, tinham uma idéia de controle completamente díspare daquela ilustrada. Se tomarmos à exemplo o homem grego, vamos notar uma relação com a noção de segurança, que poderiamos dizer ser muito mais humilde e realista para com a condição humana que aquela da modernidade. O grego com sua visão inundada pela noção de natureza percebe o homem no mundo como parte, elemento que possui um nicho no cosmos, e que de forma alguma tem a possibilidade de se sobrepor, controlar e subjugar a NATUREZA e a natureza do homem.
Novamente com nosso autor(5) intencionalmente recorrente, vamos perceber que a compreensão e relação deste homem Heleno com sua realidade não é de forma alguma uma relação antagônica como na modernidade, trata-se de uma aceitação do caráter instintual do homem, da agressividade, da violência, da embriaguez, do estravazar, do DIONISÍACO e ainda da percepção da necessidade de certa regularidade, de ordem, de controle, de retidão, do APOLÍNEO. As duas perspectivas aparentemente inconcebíveis de coexistência, convivem de forma harmoniosa no homem grego, aqui não se nega a agressividade como também a segurança.
Séculos de "progresso" moral, temos um outro modelo, temos o homem preferível, o homem bom, virtuoso, digno, manso, cuja personificação da existência é a própria imagem de um cordeiro ou "animal de rebanho". Suas preocupações e indignações são direcionadas para coisas que ele define como "doenças", "insanidades", tudo aquilo que não é "natural" ao que ele entende por homem, ou seja, toda e qualquer forma de agressividade é algo incomum ao ideal civilizado, e deve ser estirpado, isolado, tratado, melhor punido.
Ainda, todo e qualquer forma de acontecimento (seja algo oriundo da natureza ou não) que abale a rotina de seu cotidiano, de sua "segurança" são imediatamente identificados como anormais e absurdos: "como puderam deixar isso acontecer".
Por fim, podemos argumetar que se não nos iludimos com a proposição de um retorno ao modelo antigo, que possamos ao menos aprender algumas lições com a boa e velha história:
Primeiro, não controlamos coisa alguma, nunca controlaremos, neste sentido o termo segurança deve ser entendido como momentâneo. Segundo, fomos, somos e seremos, "animais de rapina" queira nossa moralidade ou não. Aceitar a violência, a agressividade como coisa não eliminável e principalmente não necessáriamente patológico na sociabilidade.
Assumir, ou aprender lições como estas podem levar até mesmo a situações de maior estabilidade e satisfação, visto da não negação de elementos constantes ao "animal homem".
(1) Talvez aqui, esteja o "grande vazio" de se buscar coisas como os chamados "Elo perdido" ali não se vê o que normalmente se esperaria, ou seria interessante ver: o homem, a cultura.
(2) Nietzsche.Genealogia da Moral. II. seção 2.
(3) Não tomamos uma vião de tempo escatológica, usamos o termo somente como facilitador do discurso. Podemos também compreender este momento como de amplificação da complexidade social tipicamente humanas.
(4) Falamos da sociedade ocidental européia no século XIX.
(5) Nietzsche. Nascimento da Tragédia.
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